sábado, 11 de setembro de 2010

Morada das Palavras em Silêncio

            O dia começava tímido. O céu, de um azul puro e sol forte, não combinava com o frio que fazia. Logo se foi percebido que o dia seria construído de incansáveis e distintas leituras. Pena que não havia o silêncio necessário para tal missão...
            Há uns anos atrás, havia um pequeno apartamento onde podia-se encontrar um banheiro, uma varanda e um cômodo, onde estavam enfileirados em uma estante vários livros e, mais a frente, uma cadeira verde-musgo, grande, cheia de furos. E balançava, ainda que lhe faltasse uma perna de apoio. Este apartamento era o lugar sagrado dos sábados e domingos, especialmente sábados. E sábados frios e chuvosos. Na falta de alguma companhia humana, a comunicação com os livros era intensa. Podia-se terminar um, dois ou até mesmo três livros em um só dia. De forma alguma a solidão era sentida. Na verdade, talvez não houvesse companhia melhor naquela época. A introspecção era necessária, e deve ser necessária até hoje. Nunca deve deixar de ser, apesar da descoberta de outras necessidades, e desejos.
            A manhã mal nascia e o apartamento já se enchia da presença de uma só pessoa e seus livros que, uma vez escolhidos, eram retirados da estante e empilhados ao lado da grande cadeira. Por vezes, a cadeira era forrada com uma espécie de coberta para espantar o frio. A manhã tornava-se tarde, a tarde tornava-se noite... Quando a noite quase virava madrugada, os livros eram devolvidos à estante e a porta era trancada. O apartamento finalmente ficava vazio. Não por desgosto, mas por medo de alguns morcegos que adentravam-no para dormir. Um inquilino respeitava os horários do outro.
            O fim da noite de sábado (às vezes, de domingo) significavam o fim de um ciclo. Talvez fosse a melhor parte da semana. Quando não era preciso sorrir, fingir ou sair. Era o dia do deleite da leitura, da companhia sincera e da ausência da hipocrisia diária forçada.
            Os anos passaram, o apartamento deve ser usado de maneira diferente, e os morcegos devem continuar por lá quando ninguém vê. Porém, as memórias, a história, o crescimento compartilhados jamais serão esquecidos por aquelas paredes brancas e pelas estantes, hoje vazias.

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