domingo, 31 de julho de 2011

A Vida Em Cento e Quarenta Caracteres

            Era um amor daqueles dispostos a enfrentar cento e quarenta caracteres. Cada letra, uma nova batida dentro do peito. Bonito mesmo era quando chegavam às tais DMs, aquelas mensagens que os dois poderiam ler. Porque privacidade é preciso.
            Doralice não gostava de seu nome nas redes sociais. Achava out demais! Era, então, alicenopaisdasmaravilhas. Assim, tudo junto, com um arroba na frente. Afinal, sem o arroba, ela não seria ninguém. Já Ronaldo achava seu nome o máximo. Era o nome do Fenômeno, que encerrou sua carreira fenomenal num amistoso contra a Romênia sem nenhum gol. Mas foi um jogo lindo, marcado para a história! Ronaldo até fazia piada quando o Fenômeno jogava no Corinthians, mas, depois do jogo contra a Romênia, seu homônimo era um gênio!
            Ronaldo não ligava muito para vaidade. Achava que não era coisa de homem. E para deixar bem claro de que era um, seu nome no Twitter era Ronaldão, com arroba na frente, claro. Sem o arroba, ele não seria ninguém.
            Um dia, entre um tweet falando sobre sua fome e os gols do Brasileirão no ar no “Fantástico”, Ronaldo viu o perfil de Doralice num RT qualquer. Clicou em sua foto e viu uma bela menina num auto-retrato no espelho. Logo, passou a segui-la. Doralice sorriu ao ver que tinha mais um seguidor em sua lista. Achou Ronaldo uma delícia!
            E as juras de amor de um para o outro vinham de outros perfis de frases feitas. Tudo em cento e quarenta caracteres. Jamais se viram, e nem pensam nisso. Doralice e Ronaldo gostavam mesmo de mostrar ao mundo em como eram bonitinhos. As meninas achavam Ronaldo um fofo, e os rapazes queriam mostrar a Doralice que eram melhores. E todas as amigas de Doralice também achavam lindo!
            Ah, a vida é mesmo feita para cento e quarenta caracteres!

Amsterdã

A loucura deve ser regularizada.
Regular deve ser o pão, o circo,
As batidas do meu coração
E tudo mais que me deixe espantada

Ou extasiada.

O amor precisa ser regrado
Como mulheres nas vitrines,
Nas esquinas.
O amor deve ser barato.

A fumaça deve ser concentrada.
Mas ela se espalha.
E se espelha tão depressa
Que não há nenhuma regra
Ou lei que a faça ser parada,

Assim como as canções,
Os corpos unindo-se,
Os copos brindando,
Os risos.

E não há linha no mundo que faça regulamentado
O acelerado bombear de vida
Do louco apaixonado.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Pingo D'Água

Veja só,
banalizaram o amor!
Fizeram-no de bobo!

Disseram que ele vem com quem chega;
disseram que ele vem com a mentira;
disseram que ele vem com a falta da partida.

Sim, ouvi.
Estava bem ali,
ó.

Estava quietinha
com meu fone e pensamentos.
Mas quem não ouve quem fala
por meio de gritos?

Era tanta coisa feia,
era tanta gente feia
que me senti feia
só por testemunhar.

E testemunha é mesmo coisa chata,
seja por julgamento,
seja de Jeová.

Mas olhe bem,
assassinaram o amor!
Torturaram, cuspiram,
massacraram! Todo!
Troço
Destroço
Engrosso
Bagaço
Traça
Desgraça
Embaraça
Graça

terça-feira, 26 de julho de 2011

Doce Meu

Ah, se achegue...
Não há doçura mais doce
Que sua voz sussurrando em meu ouvido,
Me cantando
Como só tu.

Me aconchegue
Nessa tua dança tão felina,
Tão ferina minha.
Sh... Não pense em amanhã
Que vivemos agora,
Meu bem.

E hoje eu quero sua pele
Derretendo em minha boca
Feito algodão-doce.
Deite
Que quero ouvir sua voz rouca
Adormecer em mim,

Bem aqui.

domingo, 24 de julho de 2011

Silencioso

Quero meu conjugado de volta.
Quero ouvir apenas o balanço da cadeira
Combinado ao uivo do vento.

As letras impressas
Me são mais confortáveis
Que aquelas convertidas em fonemas.

Gosto e desgosto dos encontros calados.
Não preciso de voz para falar a mim.
Percebo o nevoado, e tenho medo
Do que conheço e deixo de conhecer.

Quero solitar
Sem som de novela ou de música.
Quero repousar, mesmo que por uma hora,
Em minha própria companhia.

Odara

Demasiado cedo Odara acordava,
Numa hora que nem a Lua
Sabia se virava ou ficava.

Esperava cercada de névoa
Entre tantos e nenhum
Qualquer carona que a levasse
À sua tão desejada alvorada.

Espremida dentro de si, e tão pequena,
Odara observava a cansada Brasil
E sua megalomania.
Pelos seus olhos rasos, passava somente a melancolia
Que ninguém via.

"Precisas da rotina para sobreviver", diziam.
Mas Odara cansava-se até dos dias que ainda viriam.
E num salto solto
Sem olhar ao lado, ou para trás
Sobrou apenas a cor do luto nas unhas.

Odara,
Agora,
A que Deus dará?

domingo, 17 de julho de 2011

Óculos Escuros

Vejo festas sobre nada
Alimentando o silêncio.
Vejo a mesa vazia montada
Mantida para a lacuna de quem as usa.
Vejo aquele riso vadio
De quem sempre está sozinho,
Homens vagando pelo mundo
Seguindo a um outro
Pelo pavor de seguir a si mesmo.
Eu vejo a mim mesma disfarçada de palhaça
Enquanto ouço os risos de minha desgraça.
Vejo o fim anunciado
De um começo renovado.

Mas tenho medo do que não pode ser visto.

(E arrisco)

quarta-feira, 13 de julho de 2011

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Fogos

Terminarei, quem sabe, os dias
Com minha voz fraca
Falida?
Logo eu, que gosto de cantar
E falar - quando resolvo - de voz impostada?

Escrevo à mão,
É capaz que não consigas compreender:
Som sim e não
Explodindo algum céu em você.

Porém, meu prazer
É não ter mais um óculos.
E talvez seja mesmo a sina do poeta
Morrer pela própria letra.